Entendera o que Abel queria dizer. Precisaria focar e sincronizar toda a energia de sua constelação, estabilizando-a completamente. Rin já achava que era alguém particularmente estável; ao menos mais do que os outros guerreiros, mas teria que atingir outro nível para Gaia realmente conseguir habitar seu corpo sem maiores problemas. Teria que conter, além da própria energia, a de um deus, e fazer seu corpo não se destruir – e não destruir nada em volta com o excesso de poder – no processo. Isto para salvar o mundo, futuramente. Absolutamente nenhuma pressão.
Não pensou demais sobre o pisciano ter ido embora, aparentemente com algum problema a ser resolvido. Não deveria ser algo incomum, e para aquele treinamento, talvez preferisse realmente estar sozinho, tanto para se concentrar, como percebendo o fato de que passaria o tempo inteiro meditando, e o Líder Supremo ficar ali fazendo absolutamente nada seria uma inconveniência para os dois. Sentou-se sobre a terra em posição de lótus, a pedra que lhe fora concedida segura em sua mão, agradecendo o ambiente também pacífico em que passaria grande parte de seu tempo agora. Respirou profundamente, fechando os olhos, e começou o processo.
Não era difícil se concentrar, limpar sua mente e deixar de pensar em qualquer coisa a seu redor, nem sentir a própria energia dentro de si, a sensação pacífica e racional da constelação de virgem. No entanto, precisava dela em um nível diferente. Descobrí-la e sentí-la em toda sua essência, aumentando o próprio potencial aos poucos. Não sabia quanto tempo aquilo poderia demorar. Para alguns, talvez nem fosse possível durante o tempo de vida, e ele teria que fazê-lo o mais rápido possível. Mas
conseguiria. O deus da terra o escolhera por uma razão. Por mais que a pressão e certa insegurança residissem no fundo de seu peito sobre o assunto, sua habilidade de continuar calmo seria sua maior aliada. E de alguma forma, sentia que não precisava ter medo dos resultados. Podia quase sentir uma força estranha emanando da pedra esverdeada em sua mão. Ao menos Abel fizera algo certo.
A amazonita fora presa em uma corrente simples de ferro, para que a mantivesse consigo durante os treinos. Todos os dias, no mesmo local, mesmo tendo iniciado o treinamento físico e continuando com seu trabalho de sempre, tirava tempo para ir naquele grande jardim e meditar; seu progresso era certamente mais notável do que o de seu treinamento com Nero. Era algo em que possuía mais habilidade, assim como seria seu futuro treino com magia. Apenas não o iniciara ainda por compreender que seria melhor fazê-lo após ter dominado completamente a energia de sua constelação. Porém, mesmo com todo o tempo que passara naquilo, sentia que havia algo que o impedia de se aprofundar na energia, que impedia que
realmente conseguisse o resultado total que
teria que ter. Não sabia o que era, e mesmo pesquisando sobre o assunto, não achou nenhuma resposta significativa. Seus poderes de cura estavam melhores e mais fáceis de serem utilizados, e sua magia ofensiva também. Contudo, mesmo que fosse algo bom, não era a única melhora que deveria ter. Então, o que...?
A resposta chegara a seus ouvidos assim que Heike retornara de sua viagem, de onde parecia ter voltado espiritual e fisicamente diferente. Uma reunião repentina fora convocada, onde todos ouviram sobre o encontro que o ariano tivera com a constelação de seu signo, e sobre a pedra que agora residia no corpo dele, e que o havia sincronizado completamente com a energia astral. Era isto que precisava fazer. Porém, era um mistério para todos por onde deveriam começar e onde residiria cada espírito. Caberia a cada um pensar, pesquisar e procurar, todos em suas próprias viagens individuais que no fim, trariam uma melhora inigualável à força do grupo.
As primeiras pistas que Rin possuía eram as óbvias, ligadas a sua própria constelação e à natureza dos espíritos. Terra. Provavelmente em um lugar que possuía flora e fauna abundante, nunca tendo passado pelas mãos, talvez até olhares, da raça humana. Com certeza, pacífico, sem monstros mutados ou não. Já sobre o caminho, não poderia garantir. Limitava os locais onde poderia procurar, mas demoraria uma eternidade para checar
cada lugar do planeta em que habitavam. Precisaria de algo mais específico, estudar sobre o assunto, e talvez... Uma dica.
Em sua próxima meditação, tinha um foco em mente. Tentar contatar Gaia. Apenas a voz pacífica que ouvira uma vez já seria o suficiente. Queria saber se ele poderia dizer algo sobre a situação, orientá-lo em seu caminho. Nunca mais obtivera qualquer sinal da presença do deus, e sabia muito bem que não estava pronto para uma possessão, no entanto, nunca tentara chama-lo novamente. E assim o fez, sentado no chão daquele mesmo jardim, apenas o silêncio e as plantas como companhia. Concentrado ao máximo, os olhos fechados, a mente focada em evocar um deus sem que este necessariamente fosse chamado a seu corpo.
O tempo passara sem que o virginiano realmente o notasse, até que finalmente uma sensação agradável apareceu em sua mente, se espalhando pelos seus sentidos. Paz. Como se não houvesse nada de errado naquele mundo. Era uma sensação perigosa, especialmente para alguém tão voltado à razão, entretanto, naquele caso, tinha que acolhe-la. Era o que, ou melhor, quem, estava procurando.
Gaia? Chamou, em sua mente, esperando pacientemente pela voz suave, que levou certo tempo para responder. Um sussurro quase inaudível, porém que vinha de todos os lados, como se estivesse saindo da própria terra.
É a primeira vez que me chama... E ainda assim, não para o que está destinado. Ainda não está pronto. Porém, é algo necessário... Como se soubesse a intenção dele estar ali desde o começo. Apenas aceitou o pensamento, se concentrando para ouvir o resto. Não havia necessidade de explicações. Ele sabia.
Saia dos olhos dos homens. Ao sul, além do que se pode imaginar... Onde a natureza e os espíritos se unem. Lá você a achará. No dia seguinte havia formalmente se retirado de todas as suas responsabilidades em nome da busca que começaria. Era uma ideia extremamente vaga, entretanto, ao menos tinha uma direção a seguir, uma noção do que poderia estar esperando por si. A palavra
espíritos estar incluída o desconcertava, mas não poderia voltar sequer um passo. Primeiramente, pegara uma pequena nave só para si, e a dirigira o mais longe que conseguira, para o sul. Era impressionante ver as mudanças na paisagem abaixo, cada vez menos tocada por mãos humanas, onde também havia monstros e criaturas nunca vistas. Imensidões de florestas e cavernas, o bioma sempre diferente. Uma parte de Rin tinha curiosidade para explorar aqueles locais, mas a pura burrice e perda de tempo que seria naquela situação matavam a ideia quase instantaneamente.
A noite caiu, e o dia nasceu novamente. Considerando a velocidade daquele transporte, já deveria estar extremamente longe da Nave Mãe. Voava agora mais baixo, ainda acima de massas de árvores, tentando identificar o que havia à frente. Até que viu. As matas acabavam, dando lugar a um lago imenso, cercado por montanhas até onde conseguia enxergar. No meio deste havia um banco de areia, grande o suficiente para abrigar uma vila, porém, deserto. E além daquilo... Conforme se aproximava, via uma das combinações mais curiosas e belas de sua vida.
Um rio desaguava no grande lago ao qual estava sobrevoando agora, e conseguia ver sua fonte ao longe. Um imenso vale, cercado de cachoeiras de todos os lados, criando um riacho que circundava... Algo imensamente colorido. Havia uma luminosidade alaranjada no local – provavelmente sinais do pôr do sol - e podia distinguir todos os tipos de cores. O ar era etéreo, tão diferente do que se acostumara nas naves; e o virginiano não havia nem pousado em terra firme. O fez, parando no litoral mais próximo daquele fenômeno, e percorreu o resto do caminho até lá, sentindo-se cada vez mais estranho conforme chegava mais perto. E, quando finalmente chegara, viu o que era aquela imensidão de cores. Flores.
Espécies que jamais havia visto, de todas as cores possíveis, em tons variados. A expressão do loiro demonstrava algo raríssimo; estava completamente impressionado com o que via diante de si. Contudo, as flores não eram o único fator. Era quase como se feixes de energia e pequenas esferas translúcidas flutuassem pelo local; sentia como se fossem mais do que apenas luz, quase como se tivessem uma consciência.
Espíritos. Andou em passadas leves, adentrando cada vez mais o campo de flores, passando por incontáveis daqueles feixes misteriosos. Como poderia haver um lugar assim no mundo? Em sua alma, sabia que estava onde deveria estar. Havia uma pessoa que, com toda a certeza do mundo, gostaria daquela visão tanto quanto ele. Pensar em sua mãe deixava uma mistura de saudades, afeição, e um vazio em seu peito, razão pela qual preferia reprimir tais lembranças. Porém, ali, não parecia algo ruim ter aqueles pensamentos. Mantinha os olhos na imensidão à sua frente, e, quando menos esperou, teve que recuar um passo puramente pelo susto.
Exatamente onde estivera um feixe de luz, agora se encontrava uma visão trêmula, quase irreal. Lá estava ela. Sua mãe. Exatamente como se lembrava. Um sorriso gentil na face delicada, tão parecida com a sua. Tirando a cor dos olhos, Rin era praticamente a imagem de sua mãe, diferindo apenas em corpo e agora, no corte de cabelo. O virginiano não pode deixar de retribuir a expressão, mesmo que a própria possuísse um resquício de dor, apenas a fagulha que se permitia sentir. Sua mãe, com quem vivera grande parte da sua vida. Pensando no assunto pela primeira vez desde que soube de seu parentesco com Ren, refletia; então ela tivera que abandonar um filho? Talvez fosse por isso que protegesse tanto Rin. Apenas o pensamento parecia prestes a sufoca-lo naquele momento.
Não sinta. Outra figura apareceu ao lado da mulher, outra
quase feminina. Mas não era. O loiro reconhecia muito bem aquela pessoa, e sua mente não pôde compreender o porquê dela estar ali. Era seu irmão, regente de Sagitário, só não tão extravagante quando o normal pela imagem ser levemente desfocada. Parecia triste, perdido, expressão que nunca vira naquele rosto que mal prestara atenção em sua vida. Por que...? O que era aquele lugar, se Ren estava ali? Presumira que haveriam espíritos, mas se o outro estava vivo... Sabia o que aquilo poderia significar. Porém, não tendo conhecimento do local, não podia confirmar.Odiava tanta confusão, sentir tanto em tão curto espaço de tempo. Família... Só faltava aparecer o último.
E não houve nenhum sinal dele.
Não soube por quanto tempo encarou aqueles dois, e estava quase se sentando quando pensou ter ouvido seu nome. Olhou em volta imediatamente, lembrando-se do que tinha que fazer, do que
precisava fazer. E ouviu-o novamente. Com uma última olhada para suas companhias silenciosas, andou lentamente na direção que vinha o som, estreitando os olhos cada vez mais conforme chegava perto. Não fora até ser completamente envolvido por uma luz crescente que conseguiu vê-la; outra mulher, majestosa, pairando acima dele, um ramo envolto por uma das mãos. Quanto mais a olhava, mais fácil ficava distinguir suas feições, seus cabelos claros, olhos escuros e penetrantes. Sua voz parecia vir de toda a vida daquele local, assim como a de Gaia.
Rin Damien. Filho de grandes guerreiros, um dos quais sofre até o presente dia... Cujo irmão teve um destino desafortunado. Destinado a achar a força verdadeira para ser o receptáculo de Gaia e lutar contra o próprio sangue. Filho da terra, que poderá salvar a todos... -
Ele está...? – Questionou em voz alta, esta sendo a primeira pergunta que veio à sua mente. O espírito de Virgem apenas lhe dizia verdades, a mesma pressão que sempre aguentava. Mas mesmo com a ambiguidade, se entendera aquele lugar, o que acontecera com Ren? Se estivesse morto, não saberia nem o que começar a pensar.
Você perdeu muito. E continuará perdendo. Este lugar... Se assim desejar, quem já se foi aparecerá. Apenas uma lembrança...Sentia como se uma pedra atingisse seu estômago, porém sua expressão, neutra, apenas continuara a encarar aquele espírito. Não podia se focar naquilo agora. Parecera haver uma longa pausa, até a voz serena continuar.
Rin Damien, você é forte o suficiente para continuar. Você irá levar minha força com você, e carregará a esperança de todos. Mas para isso... Terá de se abrir a emoções. Elas são uma parte importante do que você é... É o que te faz humano. E você só conseguirá Gaia se tiver pleno entendimento desta humanidade.As palavras ecoavam em seus ouvidos, parecendo passar por todo seu corpo enquanto o entendimento delas era absorvido. Sentir. Não poder sentir. Não querer sentir. Se se abrisse à dor, se fosse cegado por felicidade, apenas acabaria como todos os outros. Estava em sua natureza ser gentil e frio ao mesmo tempo. Ter o calor, mas nunca realmente o atingir. Não queria... E era necessário. Mesmo mantendo o pensamento lógico,
precisava. Sentiu as pernas cederem debaixo de si, o deixando ajoelhado, ainda encarando o espírito à sua frente. Algo quente descia por seu rosto; lágrimas. Há quantos anos não sentia aquilo? Tristeza. Sofrimento. Dor. Perdera novamente alguém, alguém que nunca tinha a intenção de ter qualquer proximidade, qualquer uso além de seus próprios objetivos. Porém, era sua família. Era um filho que sua mãe amara. Que estivera vivo, feliz. E alguém tirara aquilo. Pelo menos ele estava com ela novamente...
Um pequeno soluço deixou seus lábios, deixando a dor falar por si só. Odiava aquilo. Se sentir frágil, pequeno, inútil, perdido. Sempre soube ser forte e esconder ou lidar com qualquer coisa que o incomodasse. Nunca deixara os outros o afetarem, sempre indo pela razão. Era o normal. Era sua vida. Era cansativo.
Solitário. E o destino de todos dependeria dele. A vida de todos estava quase sempre em suas mãos desde antes de Gaia algo com que se preocupar. E se um dia não pudesse ajuda-los? Não podia falhar. Não podia se dar ao luxo. E também sabia que um dia
iria, que não poderia ser perfeito. Poderia apenas tentar até que aquela hora chegasse. A figura da mulher se aproximava de si, um sorriso satisfeito em seus lábios. Uma mão se estendia tentativamente para tocar o topo da cabeça do loiro, quase como se fosse afaga-lo.
Guarde isso, Rin Damien. E lembre que há sempre os dois lados da moeda. Entendendo e superando o sofrimento, é o único jeito de atingir a plena... E antes de terminar aquela frase, a mão fez contato com a cabeça do regente.
Seus olhos se abriram lentamente, podendo apenas visualizar o céu azul limpo e a grande quantidade de flores à sua volta. Deveria ter deitado em várias delas; esperava que fossem fortes. Havia uma estranha dor no topo de sua cabeça, e no entanto, um peso parecia ter sido levantado de suas costas. Rin finalmente entendia. Sufocar os próprios sentimentos, coisa tão natural de si, apenas o fazia alguém incapaz de enfrenta-los e superá-los. Para atingir a paz plena da consciência, precisava do lado virginiano que mais ignorava; o lado
humano.
Assustou-se com um coelho pulando diretamente ao seu lado, e logo sentou-se para observar ao redor. Estava no mesmo local, mas era... Diferente. Não havia os feixes de luz. A luminosidade alaranjada fora substituída pela clareza do sol, e animais passeavam alegremente aqui e ali. O lugar onde estivera era deserto, quase surreal; poderia ter sido apenas um sonho, não fosse por um pequeno detalhe. Passou a mão pelo local da dor, se perguntando brevemente se havia se machucado, antes da realização percorrer tanto sua mente quanto seus dedos. A pedra a qual Heike se referira. Conseguira. Estava o mais sincronizado que podia com sua energia, e agora... Só dependeria de si.
Um pequeno sorriso verdadeiro, raramente mostrado naquela face, se fez presente enquanto o virginiano fechava os olhos e cruzava as pernas em posição de lótus. Possuía fraquezas. Possuía
muitas para alguém perfeccionista como era. Porém, agora, elas não o incomodavam tanto. Eram parte de si que reconhecia, e que sabia que com o tempo, o tornariam mais fortes. Não tentaria mais desliga-las. Emoções eram o que faziam dele humano, e o que também proporcionava... Paz.
Quando abrira os olhos novamente, não era o regente de virgem presente naquele corpo.