Há algumas semanas estava percebendo sua visão ficar ligeiramente mais embaçada, mesmo com os óculos. Tentava deixar o problema de lado, sabendo que boa parte daquilo poderia ser só “cansaço” da retina, passou um tempo tendo que fazer um pequeno esforço para enxergar as coisas que os professores escreviam ou mostravam em slides durante as aulas. E odiava ter que sentar algumas mesas mais à frente por conta daquele problema escroto. Quando começou a ter dores de cabeça, decidiu que aquilo estava ridículo demais para continuar teimando, então decidiu finalmente fazer algum exame e ver que merda estava acontecendo com seu único olho que prestava mais ou menos.
Triste seria se não tivesse deixado a receita dos atuais óculos em sua casa, quando agora dividia um quarto com uma colega do curso até que achasse um apartamento nas redondezas e um trabalho de meio período que fosse suficiente para viver por conta própria. Já que sua irmã mais velha havia feito o imenso favor de expulsá-lo de casa, como se tivesse mais autoridade que ele só porque havia nascido alguns anos antes e só porque seus pais estavam na Rússia – ou seja, na puta que pariu. Mas é claro que ela teve o consenso deles para fazê-los, é claro que teve. Harold era a cabra negra da família, mesmo com um irmão adotado e um desocupado xereta. Sabia que dava muitos motivos para aquilo, mas mesmo que tivesse saído gargalhando da sala de estar, depois de expor os segredos de todos eles para todos eles – de novo –, ainda não conseguia entender por que aquilo era motivo de tanto drama. A ponto de expulsá-lo da casa, pelo menos. Ora essa, eles deveriam agradecê-lo por facilitar a vida de todo mundo em algumas frases diretas. Ou eles queriam todo um cerimonial e protocolo respeitados pra que aquilo acontecesse? Gentinha fresca. De uma próxima, talvez Harold deixasse eles se foderem em angústia e depressão, desde que não sujassem o tapete da sala de novo. Apesar de que naquele momento, pouco se fodia se aquela mansão explodisse pelos ares. Não estava mais nela, mesmo.
O que era curioso, é que mesmo com tantas coisas para lidar, ainda tinha aquela ocupação mental engraçada e extremamente agradável, que era a vontade de arrancar um siso do Presidente da República com um garfo. Embora o mesmo não tivesse nada a ver com seus pensamentos sobre Rin. Pensava se ele havia apanhado mais depois que tinha saído da sala, pois não teve a oportunidade de encontra-lo novamente. Provavelmente não, pois Nero estava lá e Heike não seria esquizofrênico na frente do cozinheiro em questão. Por falar no amigo, também não havia falado com ele desde então, nem com Zion, nem com ninguém envolvido no dia. Parecia até que estavam com raiva dele. Se estivessem, eram desprovidos de raciocínio lógico. Ou de simples raciocínio.
No dia seguinte, resolveu dirigir até sua antiga moradia, na qual entrara com alguns empregados desnorteados. Sabiam que o rapaz havia sido expulso, mas não estavam acostumados a negarem pedidos vindos de alguém que serviram durante uma vida inteira. Não teve muitos problemas em convencê-los a deixarem-no entrar, até porque precisava de coisas que estavam em seu antigo quarto e aparentemente, nem Arthemis e nem Zion estavam dispostos a pegarem para ele. Subiu as escadas até onde era o cômodo, fuçando algumas coisas vazias, na esperança de achar. Até que lembrou-se do que Arthemis havia dito antes de sair. “Se tiver esquecido algum documento, venha depois buscar. Se eu não estiver em casa, peça a algum empregado pegar pra você e diga que estará no meu quarto em cima da escrivaninha.” Certo. Saíra do quarto, indo sem muita pressa até o da mais velha, abrindo a porta sem bater, pois sabia que ela sempre se mantinha destrancada.
Entrou mirando a mesa em frente à enorme janela que o cômodo continha, vendo um volume na cama embaixo do cobertor e os cabelos brancos da irmã espalhados pelo travesseiro. Deu de ombros, achando um pequeno pacote com seu nome, escrito pela letra de Arthemis. Abriu-o e conferiu os documentos que faltavam, além da receita de seus óculos, exatamente como precisava. Antes de se retirar, girou nos calcanhares e pensou em pelo menos avisá-la que havia pego o pacote separado a si – até mesmo para afrontá-la, deixando clara sua presença ali, onde ela havia sido bem clara que não queria. Mas ao abrir a boca para dizer algo na intenção de acordá-la, percebeu um volume “largo” demais na cama para ser só o corpo da albina. Sempre a chamava de gorda, mas tinha noção de que aquilo tudo não era só sua irmã.
Como tinha intimidade para tal, não hesitou em agarrar o pano e puxá-lo, até destampá-la. E ver Rin ali junto. Nada surpreendente, claro, pois Harold sabia do costume dos dois de dividirem espaços pessoais de forma quase duvidosa, mesmo que inocente. Crescera vendo a irmã e o rapaz grudados um no outro como duas amiguinhas do fundamental. A questão era que Arthemis nunca vestia camisola para dormir. Sabia que ela achava desconfortável e constrangedor, então não conseguia entender a razão das vestes da garota estarem emboladas pra cima, basicamente mostrando a roupa íntima e todo o resto da cintura para baixo. Além de Rin estar abraçado a ela, sem camisa ou qualquer outra merda que o tampasse. Franziu o cenho, sentindo o mau humor subir multiplicado por um mol de vezes.
— O que. Caralhos. Vocês estão fazendo? — Disse em alto e bom som, sabendo que os dois acordariam daquele jeito. Confusos provavelmente, mas acordariam. Ah, não. Depois de tudo o que ele havia dito naquela merda de sala, por que diabos Rin estava ali ao invés de Zion? Subestimou a burrice da irmã? Era grande demais para ter percebido antes? Era um iceberg. Incrível! Só havia conseguido enxergar a parte emersa todo esse tempo. A parte submersa era tão absurda que Harold sequer considerou. E por que logo Rin? E quem havia comido quem ali? Antes que começasse a demonstrar tudo o que pensava, cobriu os dois novamente, como se aquilo fosse apagar as coisas de sua cabeça. E se retirou querendo rir. Só que dessa vez, de nervoso.
Passou o resto da tarde completamente atordoado e até esquecera de marcar uma consulta no oftalmologista, indo direto para a casa de sua colega de faculdade e entrando no quarto que era seu. Imaginava se os outros haviam sido animais do mesmo jeito de fazerem tudo ao contrário, ou torto, ou errado. O albino andou de um lado pro outro no quarto, igual um cachorro procurando onde enterrou o osso e deitou na cama, esfregando o rosto com as duas mãos e fazendo os óculos caírem no travesseiro por cima da cabeça. Caralho. Quanta doença. Sentia algum tumor maligno crescer em algum canto de seu cérebro. Arthemis merecia explodir. Rin merecia explodir. Zion, Heike, Nero, todo mundo merecia explodir de tão burros que eram. Eu estou cercado de idiotas. Vou chorar. Não chorou, mas ficou um bom tempo encarando o teto e reclamando muito. Sentou, pois estava inquieto. Como chegou naquele ponto? Alguma coisa estava errada, estava se precipitando. Aquilo era óbvio, não era? Conhecia bem demais aqueles dois para não considerar tanta imbecilidade. Certo, estava exagerando. Cruzou os dedos em frente a boca e apoiou os cotovelos nos joelhos dobrados, pondo-se a refletir finalmente de forma lógica.
Até que desistiu e voltou a deitar, chegando a conclusão de que aqueles dois eram imbecis de qualquer jeito de dormirem daquela forma, mesmo se fosse na inocência. Quantos anos eles achavam que tinham? Nove? Seis? Aquilo era muito retardamento mental. Era até mais agradável voltar a pensar que haviam transado mesmo. Se bem que é meio difícil imaginar. Franziu o cenho, realmente tentando pensar numa cena daquele tipo envolvendo Arthemis e Rin. Surpreendentemente, sentiu um desagrado que o fez mudar de semblante e encarar o teto de um jeito confuso. Hã. Certo, estava mesmo com um tumor cerebral. Toda sua mente se esvaziou. Não precisava daquilo, pelo amor de Deus. Mas de fato, estava puto demais com uma coisa que naturalmente só desprezaria, não? Estava definitivamente exagerando. E aquela sensação pequena de desgosto verdadeiro o fez cogitar a possível razão. Era claro que não estava sabendo lidar direito com a visão de sua irmã deitada semi-nua com alguém. Mas tudo ficava mais óbvio se não visse pelo lado da garota e sim pelo lado de quem estava com ela. Há tempos havia percebido que seu mau humor piorava quando estava longe de Rin, certo? E se estava tão exaltado por tê-lo visto com sua irmã, aquilo significava que no fundo, mesmo que não admitisse, estava precisando jogar pra ver se parava de pensar tanta babaquice, é claro.
Mas infelizmente, lembrou-se de que não teria seu comum duo pra jogar com ele. Merda. Além disso, reparava que quando deitou-se novamente, havia caído de costas em cima dos óculos abertos. E agora quebrados. Ótimo. Ótimo mesmo. Que monte de bosta. Agora além de pagar novas lentes, precisaria de uma nova armação também. Mais dinheiro. Quer saber? Caguei pra isso tudo. E pegou o celular do bolso da calça, mandando uma mensagem para Rin. “Amanhã vou passar na sua casa.”
E realmente foi. Não iria adiantar nada ficar se descabelando sozinho no quarto, não é? Tiraria a prova na fonte mais confiável e resolveria tudo de uma vez. Ponto final. Exceto pelos seus óculos.
Triste seria se não tivesse deixado a receita dos atuais óculos em sua casa, quando agora dividia um quarto com uma colega do curso até que achasse um apartamento nas redondezas e um trabalho de meio período que fosse suficiente para viver por conta própria. Já que sua irmã mais velha havia feito o imenso favor de expulsá-lo de casa, como se tivesse mais autoridade que ele só porque havia nascido alguns anos antes e só porque seus pais estavam na Rússia – ou seja, na puta que pariu. Mas é claro que ela teve o consenso deles para fazê-los, é claro que teve. Harold era a cabra negra da família, mesmo com um irmão adotado e um desocupado xereta. Sabia que dava muitos motivos para aquilo, mas mesmo que tivesse saído gargalhando da sala de estar, depois de expor os segredos de todos eles para todos eles – de novo –, ainda não conseguia entender por que aquilo era motivo de tanto drama. A ponto de expulsá-lo da casa, pelo menos. Ora essa, eles deveriam agradecê-lo por facilitar a vida de todo mundo em algumas frases diretas. Ou eles queriam todo um cerimonial e protocolo respeitados pra que aquilo acontecesse? Gentinha fresca. De uma próxima, talvez Harold deixasse eles se foderem em angústia e depressão, desde que não sujassem o tapete da sala de novo. Apesar de que naquele momento, pouco se fodia se aquela mansão explodisse pelos ares. Não estava mais nela, mesmo.
O que era curioso, é que mesmo com tantas coisas para lidar, ainda tinha aquela ocupação mental engraçada e extremamente agradável, que era a vontade de arrancar um siso do Presidente da República com um garfo. Embora o mesmo não tivesse nada a ver com seus pensamentos sobre Rin. Pensava se ele havia apanhado mais depois que tinha saído da sala, pois não teve a oportunidade de encontra-lo novamente. Provavelmente não, pois Nero estava lá e Heike não seria esquizofrênico na frente do cozinheiro em questão. Por falar no amigo, também não havia falado com ele desde então, nem com Zion, nem com ninguém envolvido no dia. Parecia até que estavam com raiva dele. Se estivessem, eram desprovidos de raciocínio lógico. Ou de simples raciocínio.
No dia seguinte, resolveu dirigir até sua antiga moradia, na qual entrara com alguns empregados desnorteados. Sabiam que o rapaz havia sido expulso, mas não estavam acostumados a negarem pedidos vindos de alguém que serviram durante uma vida inteira. Não teve muitos problemas em convencê-los a deixarem-no entrar, até porque precisava de coisas que estavam em seu antigo quarto e aparentemente, nem Arthemis e nem Zion estavam dispostos a pegarem para ele. Subiu as escadas até onde era o cômodo, fuçando algumas coisas vazias, na esperança de achar. Até que lembrou-se do que Arthemis havia dito antes de sair. “Se tiver esquecido algum documento, venha depois buscar. Se eu não estiver em casa, peça a algum empregado pegar pra você e diga que estará no meu quarto em cima da escrivaninha.” Certo. Saíra do quarto, indo sem muita pressa até o da mais velha, abrindo a porta sem bater, pois sabia que ela sempre se mantinha destrancada.
Entrou mirando a mesa em frente à enorme janela que o cômodo continha, vendo um volume na cama embaixo do cobertor e os cabelos brancos da irmã espalhados pelo travesseiro. Deu de ombros, achando um pequeno pacote com seu nome, escrito pela letra de Arthemis. Abriu-o e conferiu os documentos que faltavam, além da receita de seus óculos, exatamente como precisava. Antes de se retirar, girou nos calcanhares e pensou em pelo menos avisá-la que havia pego o pacote separado a si – até mesmo para afrontá-la, deixando clara sua presença ali, onde ela havia sido bem clara que não queria. Mas ao abrir a boca para dizer algo na intenção de acordá-la, percebeu um volume “largo” demais na cama para ser só o corpo da albina. Sempre a chamava de gorda, mas tinha noção de que aquilo tudo não era só sua irmã.
Como tinha intimidade para tal, não hesitou em agarrar o pano e puxá-lo, até destampá-la. E ver Rin ali junto. Nada surpreendente, claro, pois Harold sabia do costume dos dois de dividirem espaços pessoais de forma quase duvidosa, mesmo que inocente. Crescera vendo a irmã e o rapaz grudados um no outro como duas amiguinhas do fundamental. A questão era que Arthemis nunca vestia camisola para dormir. Sabia que ela achava desconfortável e constrangedor, então não conseguia entender a razão das vestes da garota estarem emboladas pra cima, basicamente mostrando a roupa íntima e todo o resto da cintura para baixo. Além de Rin estar abraçado a ela, sem camisa ou qualquer outra merda que o tampasse. Franziu o cenho, sentindo o mau humor subir multiplicado por um mol de vezes.
— O que. Caralhos. Vocês estão fazendo? — Disse em alto e bom som, sabendo que os dois acordariam daquele jeito. Confusos provavelmente, mas acordariam. Ah, não. Depois de tudo o que ele havia dito naquela merda de sala, por que diabos Rin estava ali ao invés de Zion? Subestimou a burrice da irmã? Era grande demais para ter percebido antes? Era um iceberg. Incrível! Só havia conseguido enxergar a parte emersa todo esse tempo. A parte submersa era tão absurda que Harold sequer considerou. E por que logo Rin? E quem havia comido quem ali? Antes que começasse a demonstrar tudo o que pensava, cobriu os dois novamente, como se aquilo fosse apagar as coisas de sua cabeça. E se retirou querendo rir. Só que dessa vez, de nervoso.
Passou o resto da tarde completamente atordoado e até esquecera de marcar uma consulta no oftalmologista, indo direto para a casa de sua colega de faculdade e entrando no quarto que era seu. Imaginava se os outros haviam sido animais do mesmo jeito de fazerem tudo ao contrário, ou torto, ou errado. O albino andou de um lado pro outro no quarto, igual um cachorro procurando onde enterrou o osso e deitou na cama, esfregando o rosto com as duas mãos e fazendo os óculos caírem no travesseiro por cima da cabeça. Caralho. Quanta doença. Sentia algum tumor maligno crescer em algum canto de seu cérebro. Arthemis merecia explodir. Rin merecia explodir. Zion, Heike, Nero, todo mundo merecia explodir de tão burros que eram. Eu estou cercado de idiotas. Vou chorar. Não chorou, mas ficou um bom tempo encarando o teto e reclamando muito. Sentou, pois estava inquieto. Como chegou naquele ponto? Alguma coisa estava errada, estava se precipitando. Aquilo era óbvio, não era? Conhecia bem demais aqueles dois para não considerar tanta imbecilidade. Certo, estava exagerando. Cruzou os dedos em frente a boca e apoiou os cotovelos nos joelhos dobrados, pondo-se a refletir finalmente de forma lógica.
Até que desistiu e voltou a deitar, chegando a conclusão de que aqueles dois eram imbecis de qualquer jeito de dormirem daquela forma, mesmo se fosse na inocência. Quantos anos eles achavam que tinham? Nove? Seis? Aquilo era muito retardamento mental. Era até mais agradável voltar a pensar que haviam transado mesmo. Se bem que é meio difícil imaginar. Franziu o cenho, realmente tentando pensar numa cena daquele tipo envolvendo Arthemis e Rin. Surpreendentemente, sentiu um desagrado que o fez mudar de semblante e encarar o teto de um jeito confuso. Hã. Certo, estava mesmo com um tumor cerebral. Toda sua mente se esvaziou. Não precisava daquilo, pelo amor de Deus. Mas de fato, estava puto demais com uma coisa que naturalmente só desprezaria, não? Estava definitivamente exagerando. E aquela sensação pequena de desgosto verdadeiro o fez cogitar a possível razão. Era claro que não estava sabendo lidar direito com a visão de sua irmã deitada semi-nua com alguém. Mas tudo ficava mais óbvio se não visse pelo lado da garota e sim pelo lado de quem estava com ela. Há tempos havia percebido que seu mau humor piorava quando estava longe de Rin, certo? E se estava tão exaltado por tê-lo visto com sua irmã, aquilo significava que no fundo, mesmo que não admitisse, estava precisando jogar pra ver se parava de pensar tanta babaquice, é claro.
Mas infelizmente, lembrou-se de que não teria seu comum duo pra jogar com ele. Merda. Além disso, reparava que quando deitou-se novamente, havia caído de costas em cima dos óculos abertos. E agora quebrados. Ótimo. Ótimo mesmo. Que monte de bosta. Agora além de pagar novas lentes, precisaria de uma nova armação também. Mais dinheiro. Quer saber? Caguei pra isso tudo. E pegou o celular do bolso da calça, mandando uma mensagem para Rin. “Amanhã vou passar na sua casa.”
E realmente foi. Não iria adiantar nada ficar se descabelando sozinho no quarto, não é? Tiraria a prova na fonte mais confiável e resolveria tudo de uma vez. Ponto final. Exceto pelos seus óculos.