Prendeu um bocejo, segurando-se para que seus olhos não se fechassem por completo, enquanto um torpor invadia seu corpo e começava a nublar seus sentidos. Nero não costumava ficar bêbado - dado seu porte e a tolerância que desenvolvera ao trabalhar com bebidas no geral -, porém, quando ficava, acabava com a mente em um estado semelhante a quando tinha sono. Ou seja, naquele instante, sentia-se como se houvesse consumido uma quantidade exagerada de álcool. Se lhe fizessem a pior das piadas, acabaria rindo desesperadamente. Se o ofendessem, provavelmente a chateação ficaria exposta de forma manhosa na própria face. Se tivesse Heike sob seu olhar... Piscou, tentando afastar os pensamentos estranhos ao sacudir levemente a cabeça, o que apenas piorou seu estado de confusão e sonolência.
Seu olhar havia se perdido no nada por longos instantes, porém, quando se deu conta do que acontecia, já estava novamente assistindo Heike. Seus olhos de tons distintos seguiam presos aos fios claros, com uma cobiça evidente em sua expressão - ao menos para quem quer que o visse de fora. Quando com sono, e quando tinha companhia, Nero colocava uma de suas maiores manias em ação, e antes que a vítima percebesse, o moreno estaria com os dedos entre seus fios, acariciando-os em uma forma de se colocar para dormir. Fazer cafuné o ajudava a dormir, por mais que destoasse do convencional. Mais um bocejo preso, e as barreiras que o forçavam a se conter pareciam cada vez menos evidentes. Sua mão se esticou, e antes que pudesse parar, já brincava com os fios loiros do menor, acariciando-os suavemente.
Naquele momento, não percebeu qualquer reação da parte de Heike, muito menos se deu conta do que fazia, ou de como aquilo poderia ser desagradável para o menor. Nero apenas fez carinho na cabeça alheia até acabar cochilando. No entanto, por mais cansado que estivesse, o maior tinha consciência de que não deveria dormir quando havia convidado o outro rapaz para sua casa. Seu cochilo viera como um sono leve, então, tanto, que os sons da televisão vez ou outra o chamavam para realidade, ainda que não possuísse forças para abrir os olhos ou se mexer.
Sentiu quando sua mão fora movida, mas sua mente não processou aquilo adequadamente, afinal, podia ser um sonho, ou Heike talvez quisesse ir ao banheiro. Cochilou mais uma vez, indiferente às movimentações do loiro sobre a cama, incapaz de perceber ser o foco da atenção alheia. Sonhava com coisas diversas, quando fora novamente acordado por alguns sons altos do filme ruim, e quase grunhiu em resposta por ter sido retirado de forma brusca de seu sonho com utensílios de cozinha. No entanto, voltou a sentir-se confortável quando um toque gentil lhe mexeu os cabelos, mesmo que por pouquíssimos instantes. Sorriria, se ainda não estivesse com preguiça demais, cansado demais... E novamente sua mente se perdeu.
Porém, aquela vez fora estranha. Estava envolvido por um cheiro agradável e sentia-se um pouco mais quente que outrora, cócegas gentis com algo quente roçando em seu nariz; a respiração de Heike, por mais que não conseguisse decifrar. Suspirou, em meio ao sono, pouco antes de um novo conforto o embalar. Não conseguia ver ou compreender o que acontecia, mas os lábios do outro sobre os seus eram suaves o suficiente para que continuasse a sonhar com coisas diversas. Ao menos seriam, se sua mente não fosse desperta mais uma vez, por um som relativamente alto da televisão. Não grunhiu, e tampouco demonstrou seu desagrado de qualquer maneira, afinal, mais uma vez acordado, pode questionar-se qual era o motivo daquela sensação quente sobre seus lábios, e ao entreabrir parcialmente o olhar, encontrara orbes escuras o fitando de forma também parcial.
Nero percebeu que estava sendo beijado.
No entanto, Nero não percebeu que aquele tipo de ação não era algo comum, a sonolência o impedia de buscar o histórico de tudo que acontecera entre Heike e ele em sua mente. Muito menos possuía capacidade de pensar em negar um toque tão gentil, e que sentia tão agradável, tão bom... Que poderia voltar a dormir a qualquer instante. Mas não queria dormir mais, queria sentir mais daquele contato. Então antes que o loiro se afastasse assustado, a mão pesada do mais velho subiu preguiçosamente até alcançar sua nuca, e seus lábios se partiram vagarosamente para que pudesse beijar o lábio inferior alheio, retribuindo o contato iniciado pelo amigo, antes de cerrar seus olhos mais uma vez e puxá-lo preguiçosamente para mais perto com a mão livre. Heike tinha um sabor gostoso.