por Heike_Walker Qui Jan 01, 2015 10:28 pm
O dia de Heike, como a maioria dos outros que tivera ali, começara extremamente pacato. Tedioso até. O jovem adorava a natureza e a liberdade de fato, mas não conseguia ficar muito tempo parado.
Foi com certa dificuldade que se adaptou à vida na tribo. Sem a presença de Nero para lhe fazer companhia sequer conseguia se comunicar com os outros. Inicialmente tentara ajudar na caça e no trabalho para se ocupar, porém não fora muito bem recebido pelos homens que o encaravam feio e o ignoravam. Um ultraje, era irritante receber esse tipo de tratamento quando passou tanto tempo dando ordens, sendo admirado e respeitado. Logo tentou participar de algumas lutas violentas que costumavam ocorrer entre os jovens rapazes, mas não queria bater naquelas crianças até deixá-las inconscientes como era o costume entre eles, então acabou desistindo também. Era tão frustrante. E o pior de passar o dia sozinho sem poder fazer nada era que mais a noite quando Nero chegava, o maior estava tão acabado que mal conversavam. Heike estava longe de ser alguém mimado e carente de atenção que iria ficar irritado por não ter o suficiente, entendia que o líder estava ali para treinar e melhorar, e ficava feliz de ver ele chegar esgotado afinal era uma prova de que sua irmã era boa o suficiente para deixar um guerreiro como o taurino naquele estado. Estava excitado para ver o quanto ele estava melhorando. O ponto é que não entendia exatamente a necessidade de estar ali. Odiava se sentir inutil. Ainda que tivesse prometido a Nero que o acompanharia onde quer que fosse, na situação atual considerava que seria muito melhor estar na nave treinando e estudando novas táticas de batalha e terreno, do que estar ali sem fazer nada. Não era nenhuma surpresa o mau humor decorrente de tal coisa que piorava a cada dia com o moreno. Sentia falta dele e se irritava por ter que estar ali se não era necessário.
É claro que eventualmente acabou conseguindo se comunicar de alguma maneira com quem estava interessado nele: as mulheres. Não era como na nave mãe, que a maioria das mulheres se aproximavam com segundas intenções, ali o ariano era admiado como algo nunca visto antes. As mulheres, muitas maiores que ele, estavam sempre risonhas e bem humoradas enquanto falavam alto e faziam 10 coisas ao mesmo tempo. Eram guerreiras, mãe, donas de casa, artesãs, curandeiras, fazendeiras e caçadoras. Heike nunca ficara tão admirado com a força e competência de um grupo de mulheres antes. Acima de tudo, ela ainda arrumavam tempo para serem asseadas, sempre enfeitando tudo. Por isso e por ser muito bem acolhido entre elas, logo o loiro passava o dia com elas com prazer, se divertindo ainda que não entendesse nada. Já tinha aprendido a cozinhar algumas comidas típicas do local só de observar, era enfeitado todos os dias e parecia haver uma competição em quem tinha mais a atenção do ariano. Elas ensinavam algumas palavras e coisas básicas, e pouco a pouco introduziam o jovem no cotidiano da tribo, até mesmo lhe dando algumas tarefas simples.
Ao mesmo tempo que a falação constante, as risadas altas e aquela mania insistente de invadir seu espaço pessoal eram engraçadas, algumas vezes acabava ficando sem paciência e precisava de um tempo só, que gastava se afastando um pouco da tribo até a clareira em que sua moto estava escondida e passava alguns minutos ali fumando ou lendo. A tranquilidade lhe fazia bem também. Mas naquela tarde sua paz foi interrompida por muitos gritos e risadas, e logo notou um bando de crianças um pouco distantes perto das árvores. Assumiu que brincavam, mas dando uma segunda olhada reparou que elas jogavam pedras em algo. Intrigado, levantou-se e se aproximou sem pressa e em silêncio para ver o que tanto as agitava, e para sua surpresa elas atacavam outra criança bem menor que estava encolhida perto de uma grande raiz, com lágrimas aos olhos. Espantando os pequenos agressores sem muita dificuldade, foi até o menor e reparou na quantidade absurda de feridas que existiam em seu corpo. Preocupado, Heike puxou ele e finalmente pode perceber o quanto era pequeno.
O garotinho esperneou e gritou entre raiva e medo, mas com o aperto firme do regente em seu pulso e pela fraqueza que aparentava tão ferido e magro, logo se cansou o suficiente para não ter mais força para se sustentar em pé. O ariano não tinha o menor jeito com crianças e tinha a paciência zero com elas, porém não poderia deixar o garoto sozinho ali naquele estado quase desmaiado. O pegou no colo sem se importar com o sangue e terra que lhe sujariam e seguiu para o centro da tribo procurando a mãe ou alguém que pudesse cuidar dele. Mas para sua surpresa, assim que as mulheres reunídas o viram com a criança no colo, fecharam a expressão e ignoraram os apelos do ariano. É claro que não entendiam o que ele dizia, mas esperava que elas tomassem alguma atitude vendo uma criança tão pequena sangrar tanto. Estava errado, elas o ignoraram e voltaram a conversar e rir como se ele não estivesse ali. Heike ainda ficou olhando para elas furioso, até que uma menina de 14 anos que tinha o seu tamanho, a mais gentil e apegada ao loiro, apenas apontou discretamente para um conjunto de ervas que crescia no canteiro proximo que cultivavam alguns vegetais. Praguejando, o ariano foi até lá e praticamente arrancou a muda inteira, então saiu pisando duro até o local que estava vivendo com Nero. Já estava ali a tempo o suficiente para entender que devia passar aquelas plantas na ferida da criança, então o deixou na cama e com gestos brutos foi pegar água para limpá-lo e para poder misturar um pouco as folhas amassadas. Depois de limpar todo o sangue seco e sujeira, com cuidado o jovem aplicou o líquido espesso num dos machucados, e o menino que anteriormente parecia dormir começou a gritar e espernear, tentando fugir dali. A partir disso o primeiro regente passou por algumas horas de inferno pessoal até que conseguisse aplicar o remédio improvisado em tudo, enfaixar e vestir ele com uma camisa grande. Ao fim do dia, estava exausto e o pequeno finalmente dormia no aperto firme de seus braços.
Ainda estava preocupado, mas se encontrava contente por conseguir cuidar daquela criança e por ele finalmente estar dormindo, podendo assim ter um pouco de paz. Observava ele atentamente, enquanto fazia carinho em seu cabelo loiro cortado de forma tão irregular e cheio de falhas. Era um contraste interessante com a pele tão escura. A curiosidade do porque ele estar sendo atacado e ninguém se importar queimava em seu peito.
E foi naquele estado que se deu conta de que Nero estava em pé a sua frente, parecendo acabado e confuso. Estava tão distraido que sequer notou ele entrar, e agora não sabia exatamente o que dizer para explicar aquilo.
- Er.. Oi.