[#06] Turno Livre ─ Ala Hospitalar

Não estava nada contente. Primeiro, antes de qualquer coisa, não tinha metade de uma de suas pernas. O problema não era ter sentido dor ao tê-la arrancada, o que incomodava mesmo o taurino era ter que se locomover gastando muito mais energia do que já usava normalmente. Era frustrante. Segundo, porque desde que recobrara a consciência, estava tentando convencer Rin a deixá-lo visitar Heike, e não havia nada que fizesse o loirinho permitir aquilo. "Ele está em coma.", dizia, "Não há nada que possa fazer. Você precisa descansar.", mas tudo que Nero queria era ver se o outro estava bem - na medida do possível, claro -, para poder enfim relaxar. E, terceiro, ainda acontecera a maldita reunião que o definira como líder, quando nunca, em toda sua vida, carregara uma responsabilidade tão grande. Estava "bem" tendo que salvar vidas, ou proteger a nave e tudo que estivesse fora da mesma também, mas não sabia como lidar com pessoas que tinham a mesma função, e eram tão poderosas quanto o próprio guerreiro. Aquilo era absurdo! Por que tantos confiavam em alguém tão preguiçoso? E, pior, por que estavam tão interessados em tomar seus momentos de descanso?

Nero já estava rabugento.

Estava preocupado, cansado, e indignado, e aquilo era o suficiente para fazê-lo ficar sentado na cama da ala hospitalar com a expressão mais fechada que comumente, o olhar vagando de um lado para o outro, como se todos ali fossem os culpados por não poder ver seu amado, ou por estar incapaz de movimentar-se por longas distâncias, sem ter vontade de largar tudo e ficar sentado ao chão como uma criança birrenta. Na verdade, sentia-se como uma criança, e aquilo era muito ruim considerando a racionalidade que normalmente o signo possuía. Bem, não podia fazer muito, se até a comida que lhe davam vinha em quantidade menor que a necessária e com um gosto muito abaixo do que agradava o paladar do guerreiro ali. Uma comida feita sob medida para auxiliar sua melhora, claro. E o resultado? Um taurino com fome, cansado, e entediado, a perfeita arma de guerra quebrada.

No entanto, boas novas! Pelo visto logo poderia lidar com um dos seus problemas (ainda que não fosse o maior), e teria uma perna nova, cedida pelo maravilhoso trabalho de Zion. E aí estava mais um dos motivos de sua preocupação. Mesmo que não fosse líder, mesmo apenas como apenas um companheiro guerreiro, sentia muita vontade de falar com o aquariano. Havia alguma coisa de muito errada com ele, algo que ficara evidente para o homem grande somente na reunião, mas que agora martelava em sua cabeça, afinal, não esperava ver alguém tão animado alterado da forma que estava durante o processo de seleção da liderança.

Seria bom vê-lo, afinal.

Por que havia voltado a trabalhar? Nem mesmo ele sabia. Porém quando recebera o pedido de novas próteses de Abel, decidira que estava na hora de sair um pouco do quarto. Talvez o motivo fosse porque queria se distrair com alguma coisa, ou talvez fosse só pelo motivo do aquariano não querer ter mais dor de cabeça do que já andava tendo. Seja lá a razão, Zion estava já no segundo dia de trabalho virado. Não era uma novidade, porém o silêncio, o cuidado e o isolamento que o rapaz exercia eram.

Não tinha dúvida de que os outros inventores estavam o estranhando, Hiusang mesmo fazia questão de lhe dizer com detalhes a maneira como eles lhe olhavam. Esta que por sua vez não sumira um segundo sequer desde o encontro com Rin na ala hospitalar. Talvez esse fosse o motivo principal do rapaz ter saído do quarto. Se continuasse sozinho tinha a sensação de que iria enlouquecer mais ainda.

Demorou um pouco mais que o normal para deixar a perna mecânica no esquema para instala-la em Nero. Afinal, não era como se o aquariano estivesse com pressa para terminar seus trabalhos. Muito pelo contrario, ele queria era ocupar o máximo possível o seu tempo. Ficar com a mente vazia era quase a mesma coisa que pedir para que sua mente lhe tornasse seu inferno.

Como seus superiores haviam mandado, terminar a recuperação de Nero acima do resto. De acordo com os mesmos, Harold sabia se virar, já o taurino não. Dessa forma, assim que a perna estava terminada, teria de ir ao encontro do novo líder. Mais um líder que teria de encontrar em pouco tempo. Esperava sinceramente que não fosse como o encontro com o virginiano.

Após se informar com um dos enfermeiros, fora levado até o quarto de Nero. Hesitou por um momento, mas assim que olhou para Hiusang que lhe julgava desde que voltara a trabalhar, sua hesitação sumiu. Entrou no quarto de maneira extremamente grosseira, praticamente arrebentando a porta. Ops, talvez tivesse se alterado um pouco. Teria que controlar isso para que as coisas não terminassem mal.

Em um pedido de desculpas para o regente de touro, sorriu ─ forçadamente ─ torto ao que coçava a nuca. ─ 'xô que me astrasei... 'Má deitae pra fazê isso logo. ─ O sorriso logo saiu de seu rosto, enquanto vinha a colocar uma grande bolsa sobre a cama branca do outro. Revirava-a, retirando de lá a protese e as ferramentas necessárias para ajustar elas a perna de Nero.

Ainda estava longe de estar com uma expressão amigável, preso em seus pensamentos, quando ouviu a porta se abrir e bater contra a parede, tamanha a força aplicada pelo visitante. Claro, como qualquer pessoa normal em uma situação do tipo - ainda mais considerando que estava em uma ala hospitalar -, acabou saltando levemente sobre a cama, em um susto que também arregalou suas orbes de tons distintos, ambas focadas na pessoa que adentrava o local em seu típico desajeito e sotaque. Zion.

Sua face se torceu, em uma crítica silenciosa às ações exageradas do outro, antes que meneasse a cabeça em um cumprimento, a voz tão escondida quanto naturalmente o era. Porém, no instante que vira o sorriso do menor, um brilho de estranhamento passou por seu olhar, e não precisou de um instante sequer para notar o quão diferente ele estava do seu eu comum. Zion parecia mesmo acabado, e por mais que não notasse qualquer dano físico, era quase como se ele estivesse doente, passado muito tempo sem sair, ou alguma coisa do tipo. Nero chegara até a pensar que ele parecia menor, mas logo descartou a possibilidade, não fazia sentido. Talvez fosse apenas a falta dos gestos expansivos do outro, o que já era suficientemente preocupante.

Ainda assim, em silêncio, deixou que o corpo escorregasse na cama, deitando como lhe fora solicitado, mas sem desviar a visão por instante algum do aquariano, e de um jeito que provavelmente seria incômodo ao outro, afinal, Nero não estava acostumado a sutilezas com o olhar.