Nunca fora de seu feitio participar de festas, e, graças às últimas em que estivera, chegara a criar um certo desgosto por ambientes cheios de gente e bebidas. Aquele era o perfeito sinal de que nada de bom poderia acontecer. No entanto, por mais que quisesse fugir das confraternizações, ainda não tinha a capacidade de dizer "não" muito bem desenvolvida; acabara em mais uma, a expressão fechada e o corpo sempre tenso no canto mais quieto possível do local. Não queria se misturar às pessoas que dançavam, não queria conversar com ninguém que estava ali, e ainda se dera ao trabalho de manter distância dos colegas que o arrastaram até lá. Não sabia o que estava fazendo, mas tinha certeza de que não havia sentido algum estar naquele ambiente, muito menos daquele jeito mau humorado, então chegou a uma conclusão muito importante: Precisava fugir.
Em um caminhar abafado pela música alta, o moreno deixou as pernas o guiarem com uma velocidade um pouco maior que a natural. Desviava do amontoado de pessoas com certa agilidade - algo que era surpreendente até mesmo para si -, enquanto buscava a saída com uma necessidade tão extrema, que parecia quase estar buscando água no deserto. Uma pena, porém, que ao ter seu objetivo no foco de sua visão, avistara todos os seus coleguinhas montando guarda no local. Eles pareciam ter adivinhado que tentaria fugir em algum momento, e como não haviam encontrado Nero... Provavelmente o esperavam. Com uma parada brusca - uma mulher batera contra suas costas e despejara um rio de palavrões contra si -, tratou de voltar ao meio do ambiente, percorrendo a pista de dança para que evitasse ser avistado, e quase gemeu de satisfação ao não ter mais ninguém roçando o corpo contra o seu em um chamado mudo para dançar. Estava começando a desgostar de pessoas bêbadas.
De qualquer forma, Nero resolveu caminhar em direção às partes mais fundas da casa, buscando algum lugar em que pudesse entrar e curtir o silêncio, assim como algum conforto. "Se não pode com eles, junte-se a eles", dizia o ditado, mas, para o taurino era mais interessante algo como: "Se não pode com eles, durma", e adoraria arranjar um local para por seu magnífico plano em prática. Claro, sua sorte não era muito diferente da sorte de uma formiga pisoteada sem querer, e era possível notar tal fato ao que acabara abrindo a porta para um quarto cheio de gente. Gente que ria, gritava, bebia... Gente que estava fazendo tudo que queria longe de si. Grunhiu, e, novamente, estava prestes a fugir, mas fora segurado por uma pessoa bêbada, que parecia se divertir muito, mesmo quando tudo que conseguia fazer era tropeçar de um lado a outro e rir escandalosamente. Suspirou, lançando um olhar questionador à pessoa. "Tem gente presa no armário! Ajuda lá, grandão!", e mais risos.
Alguém preso? Não sabia se acreditava nas palavas daquela pessoa, ela parecia feliz demais para anunciar um incidente do tipo. Mas talvez fosse algo próprio do excesso de bebida, e, talvez, fosse bastante irresponsável de sua parte deixar que pessoas se machucassem para a diversão de outras. Com um novo suspiro, e passos preguiçosos, deixou a criatura risonha para trás, dando a volta no círculo esquisito ao chão, para, enfim, chegar ao closet. Fora só se aproximar para ouvir sons estranhos, ainda que não conseguisse os identificar. Deveria mesmo abrir aquela porta? Não pareciam estar desagradados lá dentro, muito pelo contrário... Mas, talvez... Grunhiu, confuso, levando ambas as mãos às maçanetas, abrindo o local tentado a não pensar muito.
Arrependera-se no segundo seguinte.
Sua mente demorara um pouco para processar a situação, porém seu corpo pareceu reconhecer tão rápido quanto sua visão o que acontecia. Seu peito apertou, seu estômago revirou, e somente após tudo aquilo, sua mente desfez o nó de estranhamento para entender completamente a situação. Rin e Harold estavam juntos. Estavam fazendo muito mais do que esperar salvamento. Eles estavam se agarrando de um jeito intenso o suficiente para que diversas marcas se mostrassem na pele alva do loiro, e sangue marcasse ambos os rapazes. "O que diabos estou fazendo aqui?", perguntou-se, largando as portas da mobília para dar um passo para trás, liberando espaço suficiente para que Harold saísse do local sem se preocupar em lhe dirigir a palavra. O futuro médico, no entanto, parecia fora de si, surpreso demais para se mexer, quase como se estivesse em choque... Imaginava o que acontecera ali, e aquilo apenas trazia náuseas a si.
A pior parte de tudo era saber ser idiota o suficiente para ainda tentar proteger o rapaz desnorteado, usando do próprio corpo grande para impedir que o outro fosse visto pelos curiosos do quarto. Suas mãos foram rápidas em retirar o próprio casaco, jogando sobre a cabeça do loiro, antes de murmurar a primeira coisa que lhe passou pela mente em um tom tão cheio de vida quanto o de um robô. Ajeite-se. Não vai querer ser visto assim. Não sabia se Rin voltaria à razão ao ouvir sua voz, mas também não ficaria ali para descobrir. Tivera o suficiente, e, sem dizer qualquer coisa a mais, deixou o rapaz para se recuperar só em um closet parcialmente fechado - devolvera a porta que o esconderia ao seu lugar -, antes de seguir o caminho para a saída novamente.
Daquela vez estava decidido o suficiente para simplesmente ignorar todos os que haviam o arrastado para o local, passando pelos gritos animados deles em um silêncio quase agressivo. Não fora impedido, provavelmente por tê-los assustado, e acabou na rua com muito mais facilidade do que imaginara à princípio. A calçada estava úmida, tudo estava escuro - salvo por alguns locais iluminados por postes -, e não havia uma alma viva sequer naquele lugar. Só Nero.
O moreno piscou, ainda confuso com o que vira, seus passos seguindo um caminho qualquer, sem que sequer notasse para onde ia. O que poderia fazer? Nem sabia onde estava mesmo. Então caminhava sem rumo, tentando se afastar com rapidez da casa barulhenta, buscando um local em que não precisasse mais ouvir a música alta, ou ver qualquer rosto recém saído da festa. Não queria ter contato com mais nada dali. Não queria. Queria apenas ficar só.
A velocidade de seus passos foi diminuindo ao que percebeu não ouvir mais nada. Apenas os barulhos da noite, dos carros passando pela rua molhada de uma chuva que não vira cair, o som de seus sapatos encharcados por ter pisado em alguma poça, e as batidas frenéticas de seu coração. Piscou novamente, aos poucos recuperando a razão que perdera em sua fuga, suas orbes rodando o ambiente, perdidas, em busca de alguma coisa que o ajudasse a reconhecer onde estava... Mas simplesmente desistira em um dado momento, o corpo grande caindo no primeiro banco que achara na rua deserta, sem se importar em molhar a calça. Tentava regular a própria respiração, tentava acalmar o pé que batia incansavelmente no chão, e tentava ao máximo não expor qualquer sentimento em sua expressão. Porém, no fim... "Ah... Acho que vou chorar...", e riu baixinho com o próprio pensamento, um soluço escapando teimoso de seus lábios. ... Droga.
Em silêncio, sentindo o rosto queimar, e ainda sem saber o que fazer, o moreno quase não percebera estar segurando o próprio celular com uma força absurda. Encarou o aparelho, tentando enxergá-lo adequadamente através da visão embaçada, antes de recorrer ao único pensamento que tinha em sua mente. Precisava de ajuda para voltar para casa. Uma informação que fosse... E seus dedos buscaram um número que já havia se tornado comum em sua lista de chamadas, murmurando com a voz trêmula ao rapaz que o atendera. H-Heike...? Me ajuda? Eu não sei onde estou.